Foto: Glaucia Seixas/PPV
Reprodução da matéria de Aldem Bourscheit para a plataforma ((o)) Eco.
Um dos maiores abrigos sul-americanos do papagaio-verdadeiro é o Pantanal. Contudo, mesmo lá sua população está ameaçada por mudanças no bioma forçadas por ações humanas, tanto legais quanto criminosas. Em outras regiões, a espécie é uma grande vítima do tráfico para o mercado de animais de estimação.
A renovação de bandos da ave diminuiu 30% onde florestas e savanas foram removidas para a produção de grãos, como o arroz, ou substituídas por pastos exóticos para criação de gado. Os resultados são do mais longo estudo feito onde a espécie naturalmente vive, em partes do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai.
“Os dados indicam que o desmatamento é o grande vilão responsável pela diminuição de jovens de papagaio-verdadeiro no sul do Pantanal”, descreve Gláucia Seixas, coordenadora do Projeto Papagaio-Verdadeiro (PPV) e autora principal do trabalho, publicado em junho na revista Plos One.
O esforço científico observou 791 ninhos ao longo de 22 anos, de 1997 a 2018, em fazendas de Miranda e Aquidauana, no Mato Grosso do Sul. A cobertura de árvores dos municípios caiu 5.980 km2 no período – área similar a do Distrito Federal – ou 27% de seus territórios somados. O avanço da agropecuária é o grande motor das perdas, mostra o MapBiomas.
Com menos árvores, o papagaio perde locais para fazer ninhos – ampliando cavidades naturais –, comer, se abrigar do mau tempo ou de predadores, como tucanos, corujas e gaviões, além de gatos silvestres, da irara e de outros mamíferos escaladores de árvores.
O desmate igualmente põe em xeque outras moradas do papagaio-verdadeiro, como o Cerrado. A savana brasileira é a região natural onde o agronegócio mais cresce no país. O bioma já perdeu mais da metade da vegetação original e, do que resta, menos de 9% está abrigado em unidades de conservação federais, estaduais e municipais.
Outro fantasma sobre o destino da espécie é a mutação climática global. Estimativas científicas são de que a temperatura média do ar pode subir de 5ºC a 7ºC e de que as chuvas podem encolher severamente no Pantanal até o fim do século. Além disso, seca e incêndios ganham força no bioma, como mostrou ((o))eco.
“Neste cenário, secas consecutivas provavelmente terão um impacto negativo nas condições corporais dos adultos, determinando a redução do tamanho das ninhadas e diminuindo a capacidade dos pais de criar seus filhotes”, detalha o estudo veiculado pela Plos One, assinado pelo PPV e pela Embrapa Pantanal.
Flagelo do tráfico
O Brasil é o país mais rico do planeta em tipos de papagaios, araras e seus parentes. Das 69 espécies que temos, 22 vivem no Pantanal. Todavia, a grande família dos psitacídeos, nome científico do grupo, é globalmente ameaçada pelo tráfico. Adultos, filhotes e ovos são vítimas especialmente de mercados de ‘pets’, de animais de estimação.
“Algumas espécies de psitacídeos são muito visadas como mascotes. Há evidências de que isso ocorre há milhares de anos. Espécies mais raras são mais cobiçadas, mas isso não é exclusivo para os psitacídeos”, conta Cristina Miyaki, doutora em Biologia pela USP e assessora do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Papagaios.
A área avaliada no estudo da Plos One é “relativamente livre da extração de filhotes para suprir o comércio ilegal de animais de estimação”, afirmam os pesquisadores. Todavia, em regiões de transição e nos biomas vizinhos a situação é dramática. O papagaio-verdadeiro é uma das aves mais traficadas no Brasil.
“Ele é muito buscado porque imita bem a voz humana. O crime está terrivelmente grande no Maranhão, Mato Grosso do Sul, norte de Minas Gerais, leste de Goiás, oeste da Bahia, Piauí e Tocantins”, denuncia Marcelo Pavlenco, diretor-presidente da SOS Fauna, ONG que desde 2006 atua contra o comércio ilegal de animais.
Pavlenco conta que 14 mil filhotes de papagaios e araras são retirados anualmente de uma área no oeste do Maranhão. Já o trabalho na Plos One destaca que a maioria dos ninhos da espécie são destruídos por caçadores de filhotes numa região próxima ao rio Paraná. A localização das zonas alvo dos crimes não foi detalhada para não estimular o tráfico.
A grande maioria dos espécimes traficados acaba em gaiolas no Brasil, sobretudo no Sudeste. O papagaio-verdadeiro vive em média 60 anos, mas pode chegar aos 80 anos. Ao mesmo tempo, a espécie não é uma vítima direta do tráfico internacional.
“É mais viável e lucrativo ‘lavar’ animais coletados na natureza em criadouros autorizados e vendê-los com ‘nota fiscal quente’ do que traficar diretamente para o Exterior. As pressões somadas de desmate, tráfico e caça poderão acabar com a espécie em certas regiões”, alerta Pavlenco, da SOS Fauna.
O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) é “quase ameaçado” de extinção no país e em nível global, conforme a União Internacional para Conservação da Natureza (UICN). Entretanto, a continuidade das pressões humanas deveriam elevar a sua classificação geral de risco.
“Sua população global decresce, pois a situação é diferente e cada vez mais crítica nos diferentes biomas. A espécie deve ser alvo de avaliações constantes pelas autoridades ambientais nacionais e internacionais”, defende Gláucia Seixas, do PPV e doutora em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Suporte humano
Troncos arrombados ou derrubados costumam mostrar que crias de papagaio-verdadeiro foram vítimas do tráfico. Os criminosos têm pressa e destroem inúmeros ninhos. As cavidades podem ter até 1 metro de profundidade e ocupar árvores de grande porte. Só no Mato Grosso do Sul, 11.500 filhotes foram apreendidos pela fiscalização nos últimos 33 anos.
“É uma pequena parcela do total de filhotes retirados da natureza, que deixam de contribuir para a manutenção dos ecossistemas e da espécie em vida livre”, lembra Gláucia Seixas, do PPV.
Para oferecer mais espaços para sua reprodução, o projeto aposta desde 2019 em ninhos artificiais. Feitos quase sempre de madeira, ajudam variadas espécies que ficaram sem espaços naturais para procriar. “Os ninhos são instalados em locais seguros, como unidades de conservação, e propriedades rurais ‘Amigas dos Louros’. Foram patrocinados por pessoas físicas e jurídicas que aderiram à ‘Campanha Adote Um Ninho’, ligada ao Programa Papagaios do Brasil”, destaca Gláucia Seixas. O PPV também recebe doações.
A situação é ainda mais dramática pela fidelidade natural dos casais da espécie, não só entre si, como também aos locais onde nidificam a cada ano. Isso faz deles alvos ainda mais fáceis de criminosos. “Vejo que alguns casais nunca viram os próprios filhotes, roubados todo ano por traficantes”, lamenta Pavlenco, da SOS Fauna.
Por tudo isso, os especialistas ouvidos por ((o))eco afirmam que manter a espécie viva na natureza sul-americana depende diretamente de frear o desmatamento, arrochar o combate ao tráfico de vida selvagem e outros delitos, melhorar as políticas públicas e privadas de conservação e, ainda, melhorar a educação ambiental dos brasileiros.
“Para conter a destruição de habitats e a coleta de papagaios, moradores de locais de onde são retirados da natureza, destinatários finais, proprietários rurais e tomadores de decisões políticas devem entender a importância da conservação da biodiversidade”, destaca Cristina Miyaki, assessora do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Papagaios.
Pantanal em Foco: uma parceria ((o)) Eco, SOS Pantanal e Documenta Pantanal.