Da série apresentando parceiros, vamos falar um pouco sobre o Instituto Delta do Salobra, criado recentemente com o nobre propósito de preservar a região do Delta do Rio Salobra. A organização foi criada pelo cineasta Maurício Copetti!
Importância ecológica do Delta do Salobra
O Rio Salobra nasce na Serra da Bodoquena, onde predomina o Cerrado com mistos de Mata Atlântica, inseridos dentro desta região mais serrana e então ele alcança a planície do Pantanal, desaguando em vários braços de rios, corixos, baías e alagados que voltam a virar braços de rios até terem sua foz no Rio Miranda.
A água do Salobra é cristalina durante a maior parte do ano e isso se dá tanto ao calcário contido em suas águas, quanto na filtragem feita por esses alagados durante as inundações, com exuberância de vegetação. Essa diversidade de ambientes atrai e sustenta uma rica biodiversidade que também está conectada com a Serra da Bodoquena. Ou seja, é um corredor ecológico de suma importância para a conservação e preservação, posto que há também uma pressão antrópica constantemente ameaçando toda essa riqueza natural, pois o Delta está muito próximo de áreas urbanas como as da cidade de Miranda e Bodoquena, cerca de 40km.
Serra da Bodoquena e Delta do Salobra são ecossistemas complementares e dependentes entre si e portanto é urgente a necessidade de uma ação de proteção para esse corredor ecológico.
Maurício Copetti
Antes de falarmos sobre o Instituto, vamos conhecer o criador do projeto: Maurício Copetti.
Maurício estudou cinema na Europa, além de outros cursos. Quando voltou para o Brasil, começou a filmar a natureza, já que estava morando parcialmente no Pantanal. Com isso, um rumo por documentários de vida selvagem aconteceu naturalmente!
O cinema como linguagem – não como espaço de exibição e/ou mero entretenimento – sempre lhe encantou, principalmente quando aprofunda-se em estudos de composição de imagens e sons.
Para ele, cinema é a “língua-matter” do audiovisual e usar deste instrumento para compartilhar visões, indagações e reflexões, sempre foi um desafio com bons desfrutes. Considera-se um observador do existir, então o cinema apresenta infinitas possibilidades de compartilhar esse testemunhar.
Desde a infância, fascinava-se ao ver o mundo natural, os animais, os eventos, a diversidade de vidas com as quais coexistimos. Ainda aos 8-10 anos, se lembra de costumeiramente pegar um cavalo e se aventurar sozinho ‘a beira do Rio Ibicuí’ (em Itaqui/RS) e suas praias cheias de talha-mares e de trinta-réis nidificando, com águas cristalinas em poços pela areia durante a seca.
Havia um certo atavismo utópico sobre a vida simples e essencial nesse co-habitar, com esses elementos naturais. Nasceu no Rio Grande do Sul e quando sua família adquiriu uma propriedade no Pantanal, conheceu aquela paisagem idílica e imensa. Segundo Maurício, foi realmente um amor à primeira vista e remetia a ideia de que aqueles bons sentimentos da infância, ainda pulsantes, ressoavam com a possibilidade de viver finalmente junto a natureza.
Essa grande oportunidade surgiu quando sua família abriu uma pousada de ecoturismo. Só então achou que seria possível realizar seu intento. E desde então, há 23 anos, reside no Pantanal!
Experiências mais marcantes no universo da vida selvagem
Seu momento mais marcante na vida selvagem foi quando ficou cara a cara com uma onça! O que faria se isso acontecesse com você?
Conforme o relato dele: “A cada novo ciclo de secas e inundações, o Pantanal revela algo inusitado e temos de estar constantemente em adaptação com esses ditames naturais. Dentro desta necessidade de aprendizado diário junto a vida selvagem, acho que me marca a lembrança ainda recente de quando fiquei muito próximo e vulnerável a uma onça-pintada: Eu estava no Rio Salobra, sozinho de barco, a procura de alguma onça para filmar, pois já sabia que uma mãe com filhote estavam rondando numa localidade. Ao entrar numa baía, vi o filhotão atravessando-a para alcançar a margem. Encostei o barco sobre os camalotes na margem oposta e tentei filmar essa onça jovem que logo desapareceu na mata. Aguardei silenciosamente para ver se reaparecia, quem sabe junto a mãe e fiquei uns 20 minutos ali. Quando decidi mudar de posição é que me deparei com algo muito assustador: a mãe, indivíduo grande, de uns 100kg, estava há uns 2m de mim, me observando sentada atrás do capim da margem. Ela me olhou fixa nos olhos, curiosa e destemida. Não me restava outra senão a de me entregar aos instintos e reflexos em caso de ataque. Pro meu alívio e apesar da imponência, ela não demonstrou qualquer sinal de agressividade e então se levantou calmamente e se afastou indo na mesma direção do filhote. Compreendi então o quanto se deve estar atento às inúmeras e desconhecidas variáveis da vida selvagem e que em primeiro lugar estar à salvo estrategicamente é mais prioridade do que filmar. Mas sem dúvida, esta fora a experiência que coroou meu encantamento vindo lá desde a infância, o qual o coexistir harmonioso entre as espécies é benéfico para a saúde do planeta.”
Como membro ativo do Documenta Pantanal, a iniciativa apresenta-se como uma excepcional e generosa plataforma de encontros, diálogos, debates e proposições entre ambientalistas e importantes atores de diferentes setores da sociedade interessada na conservação e valorização socioambiental e cultural do Pantanal. Como cineasta: vejo meu papel em contribuir audiovisualmente, fornecendo imagens, publicando trabalhos que venham a auxiliar nos projetos que o Documenta propõe e desenvolve ou que venha a solicitar que seja desenvolvido. Como ambientalista, enxerga a possibilidade de ter os trabalhos do IDS compartilhados, vistos, debatidos e auxiliados pela plataforma que agrega os mais importantes e atuantes conservacionistas do país focados nas questões do Pantanal.
O Instituto
O IDS-Instituto Delta do Salobra foi fundado com o intuito de ter um papel representativo junto à sociedade, órgãos públicos e em políticas socioambientais públicas visando a conservação do Delta do Salobra, bem como o papel de unir proprietários, ribeirinhos, pequenos produtores da região em prol de uma mudança de matriz econômica da região: incentivar e investir em uma economia mais criativa e totalmente sustentável.
Tem como objetivo principal a conservação da biodiversidade, dos ambientes e paisagens naturais como os alagados, as áreas úmidas, as florestas, os campos e toda a extensão do Rio Salobra através de propostas que viabilizem certos tipos de atividades econômicas, não agressoras ao meio e que ao mesmo tempo traga também prosperidade aos proprietários e trabalhadores da região, sejam grandes ou pequenos. O desafio é criar essa união para uma economia sustentável na região do Delta do Salobra.
O que já foi feito e projeções para o futuro
O IDS foi fundado oficialmente em dezembro do ano passado, em 2019, mas desde muito antes, já havia articulado inúmeras parcerias com outros institutos para coibir algumas intenções de destruição pelo Delta. Então já como instituto, avançaram em diversas ações, algumas iniciais que devem ser desenvolvidas e melhor adaptadas a realidade da região e as políticas públicas. Entre as ações importantes que realizaram, talvez seja o embargo de um projeto agropastoril que visava drenar ( ato de escoar as águas de terrenos encharcados por meio de tubos, túneis, canais, valas e fossos, sendo, possível, recorrer a motores como apoio ao escoamento) e diquear toda uma parte sensível do delta do Salobra e que acarretaria numa destruição irreversível do ecossistema.
Fizeram uma frente com a SOS Pantanal e o IHP-Instituto Homem Pantaneiro e obtiveram sucesso até aqui, com essa proibição e aplicação de multas sobre a ilegalidade que estava já em andamento dentro de uma área de uso restrito economicamente dentro do Pantanal.
Estão ampliando as informações sobre o que é o Delta do Salobra, o que ele representa localmente e quais as diferentes formas que têm para desenvolver uma economia sustentável, posto que muitos proprietários ainda não fazem menor idéia que estão inseridos nesse contexto desta riquíssima região.
Tem pela frente, uma missão bastante trabalhosa e desafiadora que é a oficialização no consolidar de um corredor ecológico entre o Delta do Salobra e a Serra da Bodoquena. Para tanto, são necessários inúmeros estudos, pesquisas, monitoramento e compilação de dados já existentes para desenvolvermos uma ação que preveja a inclusão de pequenos produtores rurais que poderão receber incentivos e informações para comercializarem seus produtos (queijos, embutidos, etc) e incluir um ecoturismo de boas práticas em suas terras.
Focando-nos nesse corredor ecológico, também desta forma, pensam em criar um debate com os moradores da região a ponto de descobrirmos soluções para a implantação de uma economia sustentável.
Dentro deste contexto, pretendem propor também a grandes propriedades, soluções já comprovadas quanto a diminuição de predação da criação por onças, a valorização e auxílio na criação de RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural), na obtenção de selos de qualidade para o que é produzido neste contexto de conservação e ainda consolidarmos o pagamento de serviços ambientais nas áreas intactas. Há também uma grande possibilidade de investidores ambientalistas adquirirem propriedades na região a fim de criar-se mais reservas e portanto valorizar-se toda a região, sob esse espectro conservacionista do meio-ambiente.
Recentemente, celebraram uma parceria com o Onçafari, para o estudo e monitoramento de onças-pintadas na região do Delta do Salobra para então entender essa dinâmica da espécie dentro deste corredor com a Serra da Bodoquena, posto que o IDS já havia identificado pelo menos 20 indivíduos habitando no Delta. Essa parceria culmina com ideias em comum com ambos institutos, que é também um ecoturismo de observação de espécies raras, de forma a frutificar, profissionalizar e regulamentar esse turismo realizado com profissionais da região.