pantanal em foco

O que acontece no Pantanal.
Uma parceria ((o))Eco, SOS Pantanal e Documenta Pantanal

Pesquisadores fazem registro inédito de jacaré-anão na planície inundável do Pantanal

Foto:  Daniel Kantek/ICMBio

Reprodução da matéria de Michael Esquer para a plataforma ((o)) Eco.

Um levantamento de anfíbios e répteis (herpetofauna) realizado na Estação Ecológica (ESEC) de Taiamã fez uma descoberta que surpreendeu pesquisadores brasileiros no Pantanal mato-grossense. Pela primeira vez, cientistas registraram a ocorrência de jacarés-anão (Paleosuchus palpebrosus) na planície de inundação do bioma. Considerado a menor espécie de jacaré do mundo – machos medem em média 1,7 m e fêmeas 1,2 m –, o réptil tinha, até então, registros de sua ocorrência restritos aos entornos do bioma. 

O resultado, que indica a possibilidade do jacaré-anão estar ampliando a sua área de ocorrência, acaba de ser publicado em nota científica na revista Brazilian Journal of Biology, que fez o primeiro levantamento de herpetofauna da ESEC de Taiamã, Unidade de Conservação (UC) de mais de 11 mil hectares circundada pelo rio Paraguai, e que está situada em Cáceres, no Mato Grosso.

O objetivo dos pesquisadores foi gerar uma lista de anfíbios e répteis presentes na ESEC de Taiamã. O artigo caracterizou o macrohabitat da UC como sendo composto por campos flutuantes (batumes), campos alagados, lagos, florestas monoespecíficas de açaçurana (Erythrina fusca) e florestas poliespecíficas – que ficam ao longo dos rios –, sendo esta última a escolhida como a área de estudo. “Porque elas têm terra firme na estação seca e um ambiente adequado para a instalação de armadilhas no solo”, diz trecho da publicação. 

As amostragens da pesquisa ocorreram em dois períodos distintos: agosto de 2017 e janeiro e fevereiro de 2018. Ao final da coleta, os pesquisadores registraram 11 espécies de anfíbios, 8 espécies de répteis, sendo seis espécies de répteis Squamata (cobras e lagartos) e duas espécies de répteis da linhagem Crocodylia: jacaré-do-pantanal (Caiman yacare) e jacaré-anão (Paleosuchus palpebrosus).

“A ausência de informação sobre a herpetofauna na ESEC de Taiamã torna esse artigo pioneiro e os resultados encontrados importantes de modo geral. Nossos resultados apontam que a estação ecológica pode apresentar uma diversidade de espécies maior do que esperado e interações ecológicas ainda não conhecidas para o grupo de herpetofauna”, disse a ((o))eco o biólogo especialista em herpetofauna Vancleber Divino, doutorando em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e primeiro autor do artigo. 

O caso do jacaré-anão

O resultado do levantamento chama atenção para a abundante população de jacarés-anão encontrada na planície de inundação do Pantanal. No total, foram feitos 99 registros da espécie na ESEC de Taiamã. O índice foi maior até mesmo do que a ocorrência de jacarés-do-pantanal , que teve 85 registros. 

“Observamos que indivíduos ou grupos de Paleosuchus palpebrosus (jacaré-anão) estavam perto da margem do rio, onde havia galhos, troncos ou raízes de arbustos ou árvores, enquanto Caiman yacare (jacaré-do-pantanal) foi encontrado principalmente em áreas abertas, como pequenos canais e baías”, acrescenta outro trecho do artigo. 

A ((o))eco, a bióloga Jessica Rhaiza Mudrek, doutora em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e segunda autora da nota científica, conta que a ocorrência de jacarés-anão na planície inundável representa uma novidade para a história natural da espécie. “É uma espécie de hábitos noturnos, menor espécie de jacaré do mundo. Geralmente está associada a córregos pequenos, estreitos e de águas correntosas. Por isso é uma surpresa […] é inédito”.

De acordo com o artigo, até então, estudos afirmavam que a ocorrência da espécie estava restrita aos entornos da área úmida do Pantanal, e não havia registros no interior da planície inundável do bioma, como constatou os pesquisadores. Em 2004, por exemplo, estudo da Embrapa abordou a presença da espécie na Serra do Amolar, região situada nas bordas do bioma.

À esquerda, em laranja, zona de ocorrência até então conhecida do jacaré-anão. À direita, na estrela, registros do jacaré-anão feitos na ESEC de Taiamã. Foto: Reprodução/A first approximation for the Herpetofauna species composition of the Taiamã Ecological Station, Pantanal of Mato Grosso, Brazil

Como trata-se de um levantamento, os pesquisadores não chegaram a analisar os fatores que podem ter contribuído para a ocorrência do jacaré-anão na planície de inundação do Pantanal. No entanto, Mudrek diz que isso pode ter relação com a adaptação da espécie: “Ela pode estar ampliando a área de ocorrência, se adaptando a novos ambientes”, acrescenta. 

Para a bióloga, a descoberta reforça a importância da preservação da ESEC de Taiamã assim como toda a biodiversidade abrigada por ela. “Uma razão a mais para preservar”, conclui. 

Lista de espécies

Confira abaixo a lista de espécies encontradas pelo levantamento feito na ESEC de Taiamã. No total, foram 20 espécies da herpetofauna, que estão dividas entre sapos, rãs e perecas (11 espécies); lagartos (3); serpentes (3); jacarés (2); e tartarugas (1). 

  • Sapos, rãs e pererecas (11)

Sapo-cururu (Rhinella diptycha)

Rhinella scitula

Perereca (Dendropsophus nanus)

Perereca-pontilhada (Boana punctata)

Perereca-quarenta-e-três (Boana raniceps) 

Perereca-fucinhuda-verruguenta (Scinax acuminatus)

Rã-manteiga (Leptodactylus luctator)

Rã-do-ventre-salpicado (Leptodactylus podicipinus)

Leptodactylus cf. brevipes 

Elachistocleis corumbaensis 

Elachistocleis matogrosso

  • Lagartos (3)

Iguana verde (Iguana iguana)

Lagarto-de-mancha-preta (Copeoglossum nigropunctatum)

Tupinambis matipu

  • Serpentes (3)

Cobra-cipó (Chironius laurenti)

Jararaca-d’água (Helicops leopardinus)

Amerotyphlops brongersmianus

  • Jacarés (2)

Jacaré-do-pantanal (Caiman yacare)

Jacaré-anão (Paleosuchus palpebrosus)

  • Tartaruga (1)

Tracajá (Podocnemis unifilis)

Ameaças à ESEC de Taiamã

Considerada uma das porções mais frágeis e conservadas do Pantanal, a ESEC de Taiamã é rondada por uma ameaça silenciosa: o avanço de projetos que preveem a construção de portos e, ainda, a consolidação da hidrovia Paraguai-Paraná. Como mostrou ((o))eco, apenas neste ano dois projetos desse tipo receberam licença prévia para implantação neste que além de ser o principal formador do Pantanal é também o rio que circunda a ESEC de Taiamã. 

O risco reside no fato de que a instalação dos portos, também como mostrado em reportagem de ((o))eco, deve forçar dragagens permanentes, remoção de rochas, de curvas e até de ilhas de vegetação, para “retificar” o rio e garantir a navegação no curso d’água. Com essa remoção de barreiras naturais, mais água deverá fluir para o rio, o que pode reduzir os alagamentos anuais que mantêm o Pantanal vivo.

ESEC de Taiamã circundada pelo rio Paraguai. Foto: Reprodução/ICMBio

O geógrafo Clovis Vailant, integrante do Instituto Gaia, ONG de Cáceres (MT) que atua em defesa do Pantanal, explica que UCs como as ESECs são importantes por preservar o que há de mais importante nos biomas brasileiros. “Uma estação ecológica é sempre uma unidade de conservação de uso restrito. São muito importantes no sentido de representar o que há de mais significativo e representativo para aquele ecossistema onde ela está instaurada”, explica. 

No caso específico da ESEC de Taiamã, ele destaca o papel da unidade como ponto de apoio para pesquisas voltadas para a conservação do bioma: “Essa nova descoberta reforça a importância desse tipo de unidade para a conservação geral do Pantanal”, conclui. 

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